Por Silas Daniel
De vez em quando alguns cristãos se deparam com antigos
questionamentos teológicos que os levam a debater-se interiormente. Alguns
dizem respeito ao livre-arbítrio, à Predestinação, à Eleição e à Expiação.
Portanto, vejamos uma exposição sintética sobre esses temas à luz das
Escrituras.
Em primeiro lugar, é importante dizer que, à luz da
Bíblia, o homem não regenerado é escravo do pecado e incapaz de servir a Deus
com suas próprias forças (Rm 3.10-12), mas, por ainda ter em si resquícios da
imagem de Deus, ele tem capacidade (livre-arbítrio) de, mesmo no estado caído,
corresponder com arrependimento e fé quando Deus o atrai a si. A iniciativa é
sempre de Deus, já que o homem, em seu estado caído, não pode e não quer tomar
a iniciativa. Ele precisa primeiro ser
convencido para depois ser convertido, e quem convence o homem é o Espírito
Santo (Jo 16.8-11). É Deus, portanto, quem desperta o interesse de salvação no
homem (Jo 6.44 e At 16.14). Tal desejo, porém, depois de despertado, pode ser
resistido (Hb 3.7-19; 10.23-29; 10.39 e 12.25; At 7.51 e 13.46; Mt 23.37; 2 Pd
2.1,2,20,21; 2 Cr 15.2; 1 Tm 4.1; 2 Tm 2.12 e Tg 4.8). Se o homem aceita a
oferta de Salvação, ele é salvo por Deus e o Espírito opera a regeneração.
Assim como a iniciativa para a salvação é sempre de Deus
(Ef 2.4-9), a regeneração é operada tão somente por Deus. Não é pelas próprias
forças do homem que ocorre a regeneração, mas pelo poder do Espírito (Tt
3.3-7). Ou seja, o livre-arbítrio é claro (Dt 30.19; Js 24.15; 1 Rs 18.21; Is
1.19,20; Sl 119.30; At 10.43; Jo 1.12 e 6.51), mas não é ele que salva o homem.
É Deus quem opera a Salvação no homem e o transformar pelo poder do Espírito
Santo quando ele aceita a Salvação. E mesmo no livre-arbítrio há a soberania
divina, pois foi Deus quem deu essa capacidade de escolher ao homem, capacidade
esta que é resquício da imagem divina nele. Deus, em sua soberania, criou
homens livres.
Em segundo lugar, à luz da Bíblia, a Eleição é
condicional. A Eleição divina não é escolha arbitrária de Deus, mas frut. De
sua presciência (Rm 8.29,30).
Deus quer que todos se salvem (At 10.34 e 17.30-31; 1 Tm
2.4; 2 Pd 3.9 e Rm 11.32), mas os eleitos de Deus são aqueles que o aceitam (Jo
7.37-38 e Ap 22.17), cuja decisão já era conhecida por Deus por ser Ele
onisciente e presciente, isto é, sabe de todas as coisas antes de todas as
coisas acontecerem.
A Bíblia sempre fala de predestinação à vida eterna em
Cristo. Efésios mostra isso. Aliás, os termos “em Cristo Jesus”, “no Senhor” e “Nele”
ocorrem 160 vezes nos escritos de Paulo, sendo que 36 vezes só em Efésios, onde
está o recorde. Ou seja, se queremos entender bem Efésios, devemos começar a
atentar para a palavra chave da epístola: “em Cristo”. Ora, mais de uma vez é
dito em Efésios 1 que a predestinação ocorre em Cristo. Ou seja, a predestinação
e a eleição não são para estar em Cristo.
Clarificando: para aqueles que estão em Cristo está
destinado desde a fundação do mundo a Salvação; a quem não estiver Nele, a
perdição. Enquanto você estiver Nele, seu destino é o Céu. Enquanto não estiver
Nele, o Inferno. O critério é estar Nele. Como afirma Paulo, Deus nos elegeu “para
que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele” (Ef 1.4), mas Cristo só vai “vos
apresentar santos, e irrepreensíveis, e inculpáveis, se, na verdade,
permanecerdes fundados e firmes na fé e não vos moverdes da esperança do
Evangelho” (Cl 1.22,23). Está claro: a eleição é condicional. E qual a
condição? Estar em Cristo: “... nos elegeu nele...” (Ef 1.4).
Finalmente, à luz da Bíblia, a Expiação de Cristo é
universal qualificada. Como assim?
Cristo morreu por todos (Jo 3.16; 6.51; 2 Co 5.14; Hb 2.9
e 1 Jo 2.2), mas sua obra salvífica só é elevada a efeito naqueles que se
arrependem e crêem (Mc 16.15,16 e Jo 1.12). Ela é suficiente mas só se torna
eficiente na vida daqueles que sinceramente se arrependem do seus pecados e
aceitam a Cristo como único e suficiente Salvador e Senhor de suas vidas. A Expiação
de Cristo foi feita para toda humanidade, mas só os que a aceitam usufruem de
sua eficácia.
Conquanto existam passagens que afirmam que Cristo morreu
pelas ovelhas (Jo 10.11,15), pela Igreja (At 20.28 e Ef 5.25) ou por “muitos”
(Mc 10.45), o que sugeriria que a Expiação é Limitada, a Bíblia afirma
claramente em muitas outras passagens que a Expiação é universal em seu alcance
(Jo 1.29; Hb 2.9 e 1 Jo 4.14), o que deixa claro que as passagens que dão uma
idéia de ela ter sido limitada nada mais são do que referências à eficácia da
Expiação e não ao seu alcance. Quando a
Bíblia associa naturalmente e enfaticamente os que crêem em Cristo à obra
expiadora, está apenas frisando a eficácia da Expiação e não seu alcance (Jo
17.9;Gl 1.4; 3.13; 2 Tm 1.9; Tt 2.3 e 1 Pe 2.24).
Porém, ainda há quem argumente que se a Expiação é
universal, mas só crida e aceita por alguns e não por todos, isso significa que
ele teria sua eficácia comprometida. Claro que não! O fato de muitos usufruírem
dela já demonstra sua eficácia. Ela só não seria eficaz se ninguém se salvasse.
A salvação de todos não é a condição sine qua non para a eficácia da Expiação, mas o é, tão somente, a
consecução da Salvação. Se muitos são os salvos por essa Expiação, esta já é eficiente.
Não houve “desperdício” pelo fato de seu alcance ser universal, mas nem todos serem
salvos. Além disso, se crermos que a Expiação de Cristo é limitada, o que seria
um sacrifício que proporcionasse uma Expiação Ilimitada? Jesus sofreria um
pouco mais na cruz?
Outro fato: uma Expiação Limitada é uma contradição ao
ensino bíblico de que Deus não faz acepção de pessoas (Dt 10.17 e At 10.34).
Deus é soberano, mas isso não significa que Ele fará alguma coisa que
contradiga o seu caráter santo e amoroso. Lembremos ainda que uma hermenêutica prudente
interpreta uma passagem ou passagens observando o contexto geral sobre o
assunto na Bíblia. A Bíblia se explica por meio dele mesma. Portanto, se ela
afirma que Deus é santo, justo e amor, e não faz acepção de pessoas ; e que
Deus quer que todos se salvem e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1 Tm
2.3,4); e que a Expiação foi por “todos” (1 Tm 2.6 e Hb 2.9); logo, as
passagens em que há alusão a “muitos” devem ser interpretadas à luz dessas
outras. E quando o fazemos, percebemos que as passagens que aludem a “muitos”
não se referem ao alcance da Expiação, que é universal, mas à eficácia dela
para os “muitos” que a receberam por fé.
Além disso, como frisa o teólogo norte-americano Daniel
Pecota, não se pode simplesmente desconsiderar o significado óbvio de alguns
textos sem ir além da credibilidade exegética. Quando a Bíblia diz que: “Deus
amou o mundo” (Jo 3.16)ou que Cristo é “o Cordeiro de Deus, que tira o pecado
do mundo” (Jo 1.29) ou que Ele é o “Salvador do mundo” (1 Jo 4.14), significa
isso mesmo. Em texto algum do Novo Testamento, “mundo” se refere à Igreja ou
aos eleitos. Escreve o apóstolo João, referindo-se a Cristo e à Expiação: “E
Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos pecados,
mas também pelos de todo o mundo” (1 Jo 2.2).
Silas Daniel é pastor,
jornalista, comentarista das revistas Adolescentes e Juvenis de Escola
Dominical da CPAD e autor do livro A Sedução das Novas Teologias (CPAD).
Jornal Mensageiro da Paz de Maio de 2008. Pág. 25.