sábado, 25 de maio de 2019

A TEOLOGIA NARRATIVA E A DESCONSTRUÇÃO DA BÍBLIA - PARTE 2



Por Silas Daniel

O QUE PROPÕE A TEOLOGIA NARRATIVA?

Seguindo os pressupostos desconstrutivistas, os teólogos emergentes ensinam que a interpretação de um texto bíblico pode ter vários significados, não sendo possível determinar um sentido único que seja apresentado como o verdadeiro. O sentido do texto não estaria dentro do texto, mas fora do texto. Não seria intra-textual, mas extra-textual. O significado e a interpretação de todos os textos bíblicos seriam, portanto, relativos e caberia a cada um extrair dos textos bíblicos, sem preocupar-se com regras de hermenêutica, as lições que achar interessantes, conforme a necessidade do momento.
Em Uma ortodoxia generosa, Brian Mclaren declara que a Teologia Narrativa apresenta um novo conceito de ser bíblico sem estar preso a uma interpretação rígida das Escrituras e celebra o fato de que essa visão faz a Bíblia se tornar “não uma enciclopédia de consulta acerca das verdades morais e eternas, mas a narrativa dinâmica de Deus” (p. 190). Ele, inclusive, se diz incomodado com conceitos como “autoridade, inerrância, infalibilidade, revelação, objetiva, absoluta e literal” para se referir à Bíblia, e argumenta que esses conceitos são invenções, são uma “linguagem que frequentemente usamos em nossas explicações acerca do valor da Bíblia” e, portanto, não deveriam ser usados porque não aparecem na Bíblia. “Quase ninguém nota a ironia de se lançar mão da autoridade de palavras e conceitos extrabíblicos para se justificar a crença na autoridade suprema da Bíblia” (p. 183).
Porém, Mclaren esquece ou prefere ignorar que esses termos não foram criados do nada. Eles são conceitos inferidos da própria Bíblia quando esta fala sobre seu valor a seus leitores. E como ocorre com o termo trindade, que não aparece na Bíblia, mas nem por isso podemos dizer que a trindade ou triunidade divina é uma invenção humana, já que a Bíblia a expressa claramente.
Mclaren não concorda com o uso desses conceitos para descrever o valor da Bíblia, conceitos estes depreendidos do próprio texto sagrado, e propõe uma única proposição sobre o valor das Escrituras, que é o que se segue: “O propósito da Escritura é de que equipar o povo de Deus para as boas obras. Uma declaração simples como esta não seria muito mais importante do que declarações com palavras estranhas ao vocabulário bíblico sobre ela mesma (inerrante, autoritativa, literal, revelatória, objetiva, absoluta, proposicional, etc)?” (p. 183).
Evitando esses outros conceitos e abrigando apenas aquele (que é tão bíblico como os demais), Mclaren apresenta uma definição da Bíblia incompleta com o intuito de dar sinal verde para todo tipo de interpretação da Bíblia e fazendo do texto bíblico tão somente uma inspiração para boas obras, quando as Sagradas Escrituras são bem mais do que isso.
O que Mclaren e os emergentes desejam é apenas um cristianismo “politicamente correto”, bem ao estilo pós-moderno, que não confronte visões diferentes, que seja apenas uma “inofensiva” religião só de boas obras, e não uma fé que se baseia em (e prega e defende) verdades absolutas. E para sustentar sua posição, o “guru” dos emergentes compara desonestamente os cristãos que defendem a Bíblia como tendo um conteúdo atemporal como sendo iguais aos racistas que se dizem cristãos, quando estes, assim como os emergentes, distorcem o significado do texto bíblico (pp. 189 e 190).
Não é à toa que Mclaren defende a Bíblia como sendo “um documento de seu tempo” e não como “um documento atemporal” (p. 189). Quem defende a Bíblia como um documento temporal considera que ela só poderá ser usada como um livro motivacional para boas obras e não como um livro que defende uma verdade absoluta (um termo que causa arrepios nos defensores do “politicamente correto”). Usando a velha estratégia emergente da generalização, que consiste em usar maus exemplos como prova de que a posição conservadora é errada, afirma Mclaren que “nós empacamos e vagamos sem rumo quando usamos a Bíblia como arma para ameaçar alguém, como uma ferramenta para intimidar os outros e fazê-los ver que estão errados, como um atalho para sermos aqueles que sabem tudo, que crêem que a Bíblia tem todas as respostas”.
Ele ainda chama tudo isso de “defesa do status quo” e declara que “nada disso corresponde ao uso que Paulo, o apóstolo, queria que Timóteo, seu protegido, fizesse da Escritura”. O “guru” dos emergentes diz também que “infelizmente, justamente as pessoas que mais amam a Bíblia têm sido aquelas que a usam para esses outros propósitos, às vezes até negligenciando seu propósito essencial [o da Bíblia como inspiração para boas obras]”. Ou seja, para Mclaren, mesmo que um cristão conservador se destaque pelas boas obras, ele é lamentável quando defende verdades absolutas à luz da Bíblia, porque Paulo teria defendido a Bíblia apenas como tendo o propósito de inspirar boas obras (Mclaren baseia-se especialmente no final da passagem de 2 Timóteo 3.17) e não como um texto autoritativo, inerrante, infalível, proposicional e absoluto. Será que Paulo defendeu a Bíblia como tendo só esse valor? Será que a própria Bíblia não fala dela mesma como tendo todos esses outros valores? Vejamos o que a própria Bíblia nos diz sobre esse assunto, inclusive os escritos de Paulo.
Para começar, vejamos com atenção o que Paulo realmente está dizendo no texto destacado por Mclaren. Veja se Paulo está se referindo só a um propósito das Escrituras nessa passagem ou a dois: “Toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus [1] seja perfeito e [2] perfeitamente instruído para toda a boa obra".
A Bíblia não é só para nos “instruir perfeitamente para toda a boa obra” (no original grego, “equipar para toda boa obra”); é também para fazer com que o homem de Deus “seja perfeito”, isto é, correto em toda a sua forma de viver. Aliás, dizer como Mclaren diz que os verbos ensinar, redargüir, corrigir e instruir não dão a idéia de um objetivo proposicional, normativo e autoritativo da Bíblia é confiar demais na ingenuidade de todos os seus leitores.
O vocábulo grego traduzido por “perfeito” em 2 Timóteo 3.17 é artios, que só aparece nessa passagem em todo o Novo Testamento. O vocábulo significa “provido”, “completo”, “perfeito” ou “aperfeiçoado”. Porém, em seu livro, Mclaren preferiu propositalmente a tradução menos indicada — “apto” — que favorecia a interpretação que ele queria dar ao texto, reforçando a segunda das duas funções das Escrituras mencionadas por Paulo nessa passagem, o que dá a entender que só existe uma função apresentada ali.
Quando Paulo fala que as Escrituras são, em primeiro lugar, para que o homem de Deus seja artios, ele está evocando o mesmo que afirma em Efésios 4, quando diz que Deus deu à Igreja apóstolos, profetas, evangelistas e pastores e mestres (homens que manejam a Palavra da Verdade) “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço [já que, para sermos bem equipados para as boas obras, precisamos ser cada vez mais artios], para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à unidade da f é e do pleno conhecimento do Filho de Deus, àperfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo, para que não mais sejamos como meninos, agitados de um lado para outro, e levados ao redor por todo vento de
doutrina, pela artimanha dos homens, pela astúcia com que induzem ao erro
(Ef 4.12-15, grifos do autor).
Agora, vejamos o que diz Jesus sobre a Bíblia. 
Jesus afirmou que a Bíblia é infalível. Disse Ele que “a Escritura não pode falhar” (Jo 10.35). Logo, a infalibilidade das Escrituras não é uma invenção dos estudiosos da Bíblia, e as pessoas que tentam encontrar falhas na Bíblia e ao mesmo tempo dizem que crêem em Jesus estão sendo contraditórias, pois, para empreender essa busca, já têm que partir do princípio de que Jesus mentiu ou se equivocou ao dizer que a Escritura é infalível. Ou será que ignoram que Jesus tenha dito isso? E se não ignoram e dizem crer em Jesus, porque questionam a infalibilidade?
Outro detalhe sobre a infalibilidade das Escrituras é que os que tentam contestá-la são justamente aqueles que desprezam uma hermenêutica correta. Por exemplo, para tentar provar que há falhas na Bíblia, desprezam a necessidade de atentarmos para a intenção dos autores bíblicos para entendermos o significado do texto (mais à frente, ainda neste capítulo, vamos nos dedicar a esse assunto). Um exemplo: será que quando Josué escreveu que o Sol e a Lua pararam (Js 10.12-15) ele tinha a intenção de afirmar necessariamente que o Sol e a Lua giram em torno da Terra ou será que estava apenas descrevendo, com suas próprias palavras e conhecimento limitado, um milagre que presenciou com seus próprios olhos após a sua oração?
Como é que alguém, na época de Josué, descreveria o milagre de o dia ficar prolongado? Não diria que o Sol e a Lua ficaram estacionados em cantos opostos do horizonte? Inclusive, ainda hoje nós não dizemos que o Sol “nasce” e “se põe”? Qual era a intenção do autor ali? Se o texto de Josué fosse uma passagem bíblica em que a intenção do autor fosse apresentar ou descrever, com base na inspiração e na revelação divinas, uma verdade sobre o universo (como em Gênesis 1 e 2), aí seria diferente, mas não é o caso
A Bíblia também é inerrante, posto que (a) o próprio Jesus asseverou que ela é fidedigna em seus mínimos detalhes (Mt 5.18): (b) as Escrituras dizem que Deus, que a inspirou (2Tm 3.16), não pode errar (Hb 6.18; Tt 1.2); e (c) Jesus afirma que a Palavra de Deus é a verdade (Jo 17.17). Se a Bíblia foi dirigida pelo Deus da verdade, conforme ela mesma nos diz, então podemos confiar em sua inerrância. Isto é, todas as vezes que a Bíblia prescreve o conteúdo de nossa fé (doutrina) e o padrão de nossa vida (ética) ou registra eventos reais (história), ela não mente, não erra, mas fala a verdade.
Agora, como já afirmamos em relação à infalibilidade, devemos sempre atentar para a intenção do autor do texto bíblico. As dificuldades que alguns leitores da Bíblia encontram em certas passagens são, na maioria esmagadora das vezes, fruto dessa falta de atenção. Outras são decorrentes de uma leitura isolada do texto sem olhar o seu contexto, que muitas vezes é toda a Escritura. Como lembra Bruce Milne, “quando uma passagem da Escritura é interpretada de acordo com a intenção do escritor e em harmonia com outras passagens bíblicas, sua verdade inerrante será percebida claramente” (Conheça a verdade, Bruce Milne, ABU Editora, 1987).
A Bíblia também é autoritativa e normativa, pois ela mesma se apresenta assim em suas páginas. Mclaren e os emergentes olvidam o fato, por exemplo, de que o próprio termo “Escritura” para se referir à Bíblia hebraica e depois ao Novo Testamento (2Pe 3.15,16) era usado nos tempos bíblicos para descrever o texto sagrado como autoritativo e normativo. O próprio termo “Palavra de Deus”, que Jesus utilizou para se referir à Escritura em Marcos 7.7-13, era usado também para demonstrar que o texto do Antigo Testamento tem valor normativo e autoritativo. Aliás, nessa mesma passagem, Jesus afirma aos fariseus que a Bíblia está acima da tradição como referência normativa e chama a Palavra de Deus também de “mandamento de Deus”. Cristo ainda usou a autoridade das Escrituras para rebater o Maligno (Mt 4.4) e sempre invocou a Bíblia como normativa e autoritativa para várias questões (Mt 19.4; 10.34-36).
O Mestre também aceitou a ética do Antigo Testamento como normativa (Mt 5.17) e a Bíblia apresenta a lei moral de Deus como algo que devemos obedecer (ver o primeiro capítulo, quando falamos do “não-legalismo” dos emergentes). O termo “lei” sugere autoridade e normatividade.
Afora não aceitar a autoridade e a normatividade como valores essenciais da Bíblia, Mclaren ainda afirma três absurdos sobre o assunto. Veja o primeiro: “Também a propósito, [a expressão] ‘a Palavra de Deus’ nunca é usada na Bíblia para se referir à própria Bíblia. E nem poderia ser diferente, uma vez que a Bíblia, enquanto coleção de 66 livros, não havia sido ainda compilada” (Uma ortodoxia generosa, p. 181). Os emergentes olvidam que o Antigo Testamento, que é chamado de “Palavra de Deus” (como vimos, por exemplo, em Marcos 7.13), é também chamado de Escritura divinamente inspirada (que é justamente o significado de “Palavra de Deus”), que é a mesma categoria dada às Epístolas de Paulo (2 Pe 3.16,17) que, por sua vez, compõem o Novo Testamento. Logo, se o Novo Testamento é Escritura divinamente inspirada como o Antigo Testamento, ambos são “Palavra de Deus”.
O segundo absurdo é afirmar que, sob a ótica protestante, as Sagradas Escrituras foram ditadas. Diz ele que os protestantes têm tratado a Bíblia “como se Deus a tivesse ditado” (p. 181). Nada mais falso. Os protestantes sempre afirmaram que determinados trechos  da Bíblia foram realmente ditados por Deus, como deixam transparecer os escritores bíblicos (Ex 32.16,17; 33.1; Js 1.1, etc), mas a maior parte foi tão somente inspirada, não ditada. “Os cristãos evangélicos são, com freqüência e injustamente, acusados de estarem presos à teoria do ditado, mas, na verdade, ela não foi defendida por qualquer teólogo protestante responsável desde a Reforma até hoje” (Conheça a verdade, Bruce Milne).
O terceiro absurdo é pensar que o conteúdo bíblico pode ser adaptado ou aperfeiçoado pelo entendimento pós-moderno. Refiro-me à contextualização equivocada (no próximo capítulo falaremos o que é uma contextualização sadia). A leitura da Bíblia proposta pela Teologia Narrativa pressupõe que cristãos de hoje podem estar mais evoluídos na compreensão do evangelho do que os cristãos da Igreja Primitiva, posto que a narrativa da história da Igreja continua até os nossos dias, sendo os emergentes a última novidade na continuação dessa história. Mclaren insiste na idéia de que os emergentes são a continuação da evolução da verdade ou da busca da verdade.
Uma coisa é você reconhecer que a história da Igreja avança desde a Igreja Primitiva até os nossos dias, outra coisa totalmente diferente é pensar, como os emergentes acreditam, que, junto com esse avanço, avança também a compreensão da verdade. É para esse conceito que apela Mclaren.
Depois de citar o apartheid como exemplo de leitura equivocada da Bíblia (no que ele está certo), mas ligando erroneamente o apartheid a uma visão conservadora da Bíblia (o que é extremamente desonesto), ele afirma: “Temos uma escolha hoje: nossas leituras trairão o caminho de Cristo na atualidade ou estabelecerão nosso curso na direção dos sonhos de Deus? Iremos deixar que a história continue em e através de nós, juntamente com a intenção de sua trajetória, na direção do sonho imortal e envolvente de Deus chamado reino de Deus?” (p. 190 — os itálicos são meus). Com “intenção da trajetória” aqui, Mclaren quer dizer um avanço gradual da compreensão da verdade, como o próprio conceito de “cristão emergente” sugere, conforme a descrição que ele mesmo faz do termo no capítulo 19 de Uma ortodoxia generosa (no segundo capítulo, falamos sobre essa descrição).
É por causa dessa visão de (1) compreensão evolutiva e de refinamento da verdade, e (2) da Bíblia apenas como uma obra voltada para nos inspirar às boas obras, sem nenhuma aplicação normativa, que muitos emergentes normalmente consideram passagens como as que condenam o homossexualismo ou que soam chauvinistas, conforme a mentalidade hodierna, como sendo ultrapassadas. Não é à toa que gente como o incensado Brennan Manning, louvado pelos emergentes como um grande exemplo de cristão bíblico em nossos dias, apóia igrejas de homossexuais, e os emergentes acham isso natural. Não é à toa que os emergentes não lutam contra o aborto nem contra projetos pró-homossexualismo e também não pregam que o cristianismo é a única verdade, mas, sim, que o evangelho é visto e encarnado também em religiões não-cristãs e que o viver cristão se resume a boas obras e a não condenar nada, a não ser aquilo que é “politicamente incorreto”. Sua leitura da Bíblia está vinculada e condicionada a essa mentalidade.
A partir do momento que as Escrituras não são mais normativas nem autoritativas, mas tão somente uma narrativa devocional da evolução espiritual do ser humano que é acompanhada por um aperfeiçoamento da compreensão da verdade que continuaria a acontecer em nossos dias, a Bíblia deixa de ser a verdade, tornando-se só um manual motivacional e inspiracional, perdendo todo o seu real efeito, e a igreja cristã passa a ser totalmente desfigurada, tornando-se uma religião apenas de boas obras como qualquer outra, e não a “coluna e firmeza da verdade” (1 Tm 3.15).

Trecho do livro, A SEDUÇÃO DAS NOVAS TEOLOGIAS - Silas Daniel: CPAD, pp.78-84.

quinta-feira, 23 de maio de 2019

A TEOLOGIA NARRATIVA E A DESCONSTRUÇÃO DA BÍBLIA - PARTE 1



Por Silas Daniel


Não há como falar de Igreja Emergente sem falarmos de um de seus pressupostos mais amados: a Teologia Narrativa. Esse pressuposto está vinculado diretamente ao conceito de Hermenêutica Generosa ou Hermenêutica Pós-moderna, de que já falamos. O nome Teologia Narrativa se deve ao fato de que seus adeptos propõem que a Bíblia precisa ser entendida não como uma obra proposicional, que apresenta doutrinas, mas tão somente como uma grande narrativa devocional que deve ser lida e interpretada sem preocupação com as regras de hermenêutica.
A Teologia Narrativa seria, portanto, uma construção teológica supostamente alternativa contra o que os emergentes chamam de repetição dogmática ou rigidez cientifica na interpretação da Bíblia.

ONDE TUDO COMEÇOU

A gênese da Teologia Narrativa, por incrível que possa parecer, se deu com o filosofo ateu, anticristão e anti-valores Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Mas, como assim? O que esse filosofo anticristão e anti-Deus tem a ver com uma teologia que se propõe crista?
Nietzsche e considerado o pai da pós-modernidade e tem esse título justamente porque iniciou a crítica contundente e acida a todo tipo de instituição ou de valor absoluto, e esse tipo de crítica acabou sendo absorvido como uma característica básica da pós-modernidade.
Filho de um pastor luterano chamado Karl Ludwig, que morreu prematuramente, Nietzsche inicialmente queria ser pastor como o pai, porém, em 1864, abandonou o projeto para se formar em Filologia. Logo que se formou, conseguiu um emprego como professor de Filologia Clássica na Universidade de Basileia, na Suíça.
Ainda jovem e já lecionando, Nietzsche resolveu publicar seus primeiros livros, mas teve o desprazer de ver suas obras rejeitadas pela crítica a ponto de ter sido até mesmo excluído do círculo de filólogos de sua época. Frustrado e deprimido, Nietzsche decide, então, ser um “espirito livre”, como se definiu, e escrever contra tudo que antes defendera. Se antes escrevera defendendo o musico Wagner e o filosofo Schopenhauer, agora passa a ataca-los. Renuncia o que chamou de “vontade culpada” de Schopenhauer, substituindo-a pelo que define como “vontade alegre”. Se louvara o “espirito alemão”, agora passou a despreza-lo. Em Humano, demasiado humano (1878), sua primeira obra da nova fase, ele afirma que o homem e o criador dos valores, mas costuma esquecer sua própria criação vendo nela algo de “transcendente”, “eterno” e “verdadeiro”, quando os valores não seriam mais do que algo “humano, demasiado humano”. Ele defende as mesmas ideias em dois outros livros: Para além do bem e do mal (1885) e. Para uma genealogia da moral (1887). O britânico C. S. Lewis desintegraria tais ideias brilhantemente nos primeiros capítulos de sua obra Cristianismo Puro e Simples. Ele não foi o único a fazê-lo, mas sua abordagem sobre o assunto e uma das mais precisas.
Em Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar com o martelo (1888), os ataques de Nietzsche são contra o Estado, as instituições, a moral, o espirito alemão, as ilusões da filosofia e a verdade. Ainda em 1888, publica Anticristo, onde ataca tudo o que é cristão ou esteja “infectado” pelo cristianismo.
Resumindo, Nietzsche, que e mais conhecido por ter declarado “Deus está morto”, negou a existência de qualquer tipo de valor absoluto e proclamou o desprezo as instituições. Terminou louco e assim morreu em 1900, mas a influência dos seus escritos se fez sentir no início do século 20 e, no meio filosófico, especialmente na Franca dos anos 60. Foi ali que, há pouco mais de 40 anos, inspirados por Nietzche, três filósofos — Michel Foucault (1926-1984), Jacques Derrida (1930-2004) e Julia Kristeva (1941-) – iniciaram dois movimentos simultâneos chamados pós-estruturalismo e desconstrutivismo, que, mais tarde, aplicados a hermenêutica bíblica, criaram a Teologia Narrativa.
Foucault foi um famoso filosofo e professor de História dos Sistemas de Pensamento no College de France de 1970 a 1984. Homossexual e adepto de uma vida desregrada, ele faleceu aos 57 anos, em decorrência de AIDS. Porém, antes de morrer, deixou sua marca em favor do pós-estruturalismo e do desconstrutivismo ao criar e popularizar a teoria de que todo tipo de discurso e, no fundo e sempre, uma tentativa de exercer influência e poder sobre as pessoas. Ele era contra todo e qualquer tabu social e tinha aversão ao discurso cristão ou religioso de forma geral.
De origem judaica, Jacques Derrida nasceu na Argélia, então colônia francesa, e sofreu muito em sua infância por causa do anti-semitismo. Já na juventude, tornou-se discípulo confesso dos escritos dos ateus Friedrich Nietzsche, Jean-Jacques Rousseau e Albert Camus. Inspirado nesses seus ídolos, Derrida fundou o desconstrutivismo, tese que propõe a indeterminação do sentido dos textos. Explicando: segundo Derrida, qualquer texto deve ser lido sem procurarmos qualquer intenção do autor por trás dele. Para o francês, só interpretamos melhor uma obra quando não buscamos um proposito autoral por trás dessa obra. Caberia a cada leitor, portanto, dar aos textos o significado que ele mesmo acha que tenham. Outro detalhe e que os significados dados devem ser não apenas independentes do objetivo revelado pelo autor da obra, mas também de qualquer interpretação decorrente dos métodos tradicionais de interpretação de textos. Isto e, os princípios hermenêuticos clássicos devem ser desprezados totalmente. Isso e desconstrutivismo. Já a filosofa franco-búlgara Julia Kristeva, que também e psicanalista e critica literária, além de defender o desconstrutivismo e o pós-estruturalismo, foi líder do movimento feminista na Franca, tendo também exercido forte influência no movimento feminista da Inglaterra e dos Estados Unidos. Ela defende enfaticamente a relativização dos valores, princípio básico da pós-modernidade. Aliás, o pós-estruturalismo, bandeira empunhada pelo trio Foucault, Derrida e Kristeva, e basicamente a negação da existência de verdades absolutas. Foi aplicando o pós-estruturalismo e o desconstrutivismo de Derrida, Foucault e Kristeva a teologia que nasceu a Teologia Narrativa, defendida hoje pela maioria esmagadora dos teólogos adeptos da Igreja Emergente e por alguns cristãos simpatizantes.

Trecho do livro, A SEDUÇÃO DAS NOVAS TEOLOGIAS - Silas Daniel: CPAD.