Por Elienai Cabral
Ao chegarmos à celebração do Centenário do Movimento Pentecostal no Brasil, chegamos também a um tempo de maturidade, de avaliação, de revisão de nossa teologia. Queiramos ou não, esse é um tempo em que a igreja de Cristo deve refletir, histórica e teologicamente, sobre o seu papel no mundo em que vivemos.
Chegamos hoje ao Movimento Pentecostal moderno como um dos grandes acontecimentos do século 20. E ele surgiu com um pequeno grupo de pessoas interessadas em tornar o cristianismo anêmico e seco em um cristianismo forte e espiritual com as mesmas características da Igreja Primitiva. Esse pequeno grupo começa um movimento espiritual com ênfase na liberdade do Espírito Santo para operação de sinais e prodígios e a manifestação dos dons espirituais no século 20. Um vento espiritual soprou na Europa foi para os Estados Unidos da América do Norte, cresceu e se tornou uma força significativa dentro da cristandade.
O surgimento do Movimento Pentecostal moderno inicia-se em Janeiro de 1901, na cidade de Topeka, Kansas, EUA, quando Agnes Ozman experimentou o batismo com o Espírito Santo manifestado com o falar em línguas entre tantos outros. O movimento espiritual de caráter pentecostal vinha sendo experimentado com intensidade desde 1850, mas foi a partir da experiência da senhora Ozman, que era aluna da Escola Teológica de Charles F. Parham, chamada Charles Parham’s Bethel College, que o Movimento ganhou força. Foi nesta Escola que abriu-se no coração de Parham o desejo de conhecer mais profundamente a experiência do batismo com o Espírito Santo com o falar em línguas como evidencia externa desse batismo.posteriormente, Parham abriu uma Escola Bíblica em Houston, Texas, e foi atavés dela que surgiu o pregador do movimento de santidade (Movimento Holiness) chamado William J. Seymour pregando a mensagem pentecostal. Depois de dois anos ali, Seymour começou a realizar reuniões de oração na famosa Rua Azuza, tornando-se, a partir de então, o grande popularizador do Movimento Pentecostal. Pessoas de várias partes dos EUA e de outros países visitavam a igreja da Rua Azuza, espalhando a chama pentecostal no mundo inteiro.
A partir desse movimento, o Espírito Santo inflamou o coração de homens e mulheres, os quais passaram a levar a mensagem pentecostal pelo mundo. Foi desse modo que o Espírito Santo trouxe para o Brasil alguns homens, entre os quais Gunnar Vingren e Daniel Berg, de nacionalidade sueca, mas vindos dos EUA em 1910.
O Movimento Pentecostal moderno, portanto, tem suas raízes no final do século 19, quando cristãos desejosos por uma vida de santidade e espiritualidade plena entraram no século 20 com força total rompendo com as amarras eclesiásticas e denominacionais que impediam a operação livre do Espírito Santo nas igrejas.
Fundamentos
A palavra fundamento ganha um sentido especial na linguagem bíblica. Ela pode refletir-se a “tudo aquilo em que se assenta alguma coisa”, e pode significar “motivo, razão, base, alicerce etc”. Em ambos Testamentos, essa palavra ganha significados distintos, com linguagem literal e figurada de alicerce (Lc 6.48,49; Rm 15.20; 1 Co 3.10-12; Ef 2.20 e outros). Neste artigo, a palavra se refere aos princípios fundamentais do Evangelho e aos ensinos dos apóstolos e profetas (Hb 6.1,2 e Ef 2.20).
Da palavra fundamento deriva outra palavra que é fundamentalismo. Esta última tem servido para significar movimentos radicais, especialmente no mundo religioso. O fundamentalismo tem sido identificado como um movimento contra o liberalismo. Do ponto de vista positivo, o fundamentalismo preserva os princípios básicos da fé, para os quais se atribui a termo conservadorismo. Não é só no mundo religioso que se vê o fundamentalismo. Também existem outras formas de fundamentalismo: o cultural, o político e o religioso.
Desenvolve-se no mundo moderno uma cultura extremista e negativa quanto ao termo fundamentalismo, mas é necessário que se coloque cada coisa no seu lugar. Nas últimas décadas, por exemplo, o islamismo é apresentado pela mídia mundial como uma religiosidade extremista e violenta. Na história do cristianismo, no período da chamada “santa inquisição” da igreja romana, cometeram-se atrocidades e guerras em nome de Cristo que eram, de fato, fruto de uma espécie de fundamentalismo fanático e brutal. Entretanto, a despeito de distorções acerca dessa palavra, não podemos fugir ao fato de que o verdadeiro fundamentalismo cristão refere-se à defesa dos pontos considerados fundamentais da fé cristã.
Em relação ao pentecostalismo, nossa preocupação está, essencialmente, em preservar os fundamentos teológicos da fé pentecostal contra o espírito do liberalismo teológico e contra as influências filosóficas e místicas que deturpam a genuinidade e simplicidade do Evangelho que pregamos.
O fundamento principal da fé pentecostal
O ponto de partida para respondermos a essa pergunta está em dois textos do Novo Testamento: Mateus 16.18 e Efésios 2.20. No primeiro texto, o Senhor Jesus se identifica como “a pedra principal” sobre a qual toda a Sua Igreja seria edificada. No segundo texto, o apóstolo Paulo reforça a construção desse edifício declarando que o mesmo seria edificado sobre “o fundamento dos apóstolos e dos profetas”.
Na construção doutrinaria da igreja, as doutrinas da fé seriam edificadas sobre “o fundamento” de tudo quanto os apóstolos receberam de Cristo. Esse fundamento é a teologia cristã e sobre o mesmo todas as verdades do Evangelho de Cristo seriam construídas. Essas verdades se constituem de lementos doutrinários de nossa crença cristã. Ele é Jesus, é o que edifica e Ele mesmo é a pedra principal desse edifício. Nós os crentes, somos pedras vivas edificadas sobre Ele. No texto de Efésios 2.20, encontramos o termo “fundamento dos apóstolos e dos profetas”. Que fundamento é esse? É todo aquele material que os apóstolos receberam pessoalmente de Cristo. Não havia diferença entre o que Jesus ensinou e o que Seus discípulos passaram a ensinar, porque eles foram comissionados a ensinarem a mesma doutrina. A doutrina dos apóstolos não era a doutrina particular de Pedro, de João, de Tiago, nem, posteriormente, de Paulo ou Apolo, mas era a mesma doutrina ensinada por Jesus. Os ministros de Deus têm a missão pastoral de ensinar a mesma doutrina dos apóstolos. Ninguém tem o direito de torcer a verdade revelada nas Escrituras, mas deve construir a doutrina sobre o mesmo fundamento, sem “colocar outro fundamento além do que já está posto”.
O Movimento Pentecostal não é uma nova doutrina nem alguma invenção teológica. O Movimento Pentecostal é um movimento de renovação espiritual que existe dentro da Igreja de Cristo na Terra e que dá lugar ao Espírito Santo, que tem sido relegado por grupos cristãos, dando lugar a uma eclesiologia humanista e seca. O movimento não é outra igreja, mas é a mesma do Dia de Pentecostes procurando preservar os mesmos princípios que nortearam a Igreja Primitiva, dando lugar ao Espírito Santo para reger a Igreja de Cristo.
Quais os principais elementos do pentecostalismo?
Quando falamos de fundamento nos referimos à base de sustentação de uma construção. Em relação às doutrinas bíblicas que reagem a nossa fé e o comportamento ético cristão, nos referimos, de fato, aos elementos teológicos que são os pilares (colunas, baluartes – 1 Tm 3.15) que dão equilíbrio e sustentação às paredes (“pedras vivas” – 1 Pe 2.5) construídas para dar forma e beleza arquitetônica.
Em relação aos fundamentos doutrinários pentecostais, nos referimos aos elementos constitutivos da fé cristã, ou seja, as doutrinas principais que norteiam o autêntico pentecostalismo. Esses elementos formam o pensamento pentecostal acerca de, pelo menos, seis doutrinas principais. As demais doutrinas estão atreladas a estas seis, porque são como afluentes de um mesmo rio caudaloso. Estas seis principais doutrinas dão corpo à teologia pentecostal:
1. A Doutrina da Revelação e Inspiração plena das Escrituras, como base da fé pentecostal (2 Tm 3.14-17; Hb 4.12; 2 Pe 1.21).
2. A Doutrina da Salvação, mediante a justificação pela fé na obra expiatória de Cristo. Uma doutrina que envolve três outras tão importantes como justificação, regeneração e santificação (Rm 5.1; Tt 3.5; Jo 3.3; 1 Ts 4.3,4; 2 Co 7.1; Hb 4.12).
3. A Doutrina do Batismo com o Espírito Santo, com a evidência física do “fala em línguas espirituais”, como experiência distinta da obra regeneradora do Espírito Santo, e como uma experiência contínua desde o Pentecostes (At 2.4,38; At 11.12-17).
4. A Doutrina dos Dons Espirituais, como dotações do Espírito Santo aos crentes, para edificação da Igreja em termos de fé e unidade (Rm 12.6-8; 1 Co 7.7; 1 Co 12.1-11,28-31; Ef 4.11-13; 1 Pe 4.10,11).
5. A Doutrina da Cura Divina mediante a operação sobrenatural do Espírito Santo para curar os enfermos (Mc 16.17,18; 1 Co 12.8-10).
6. A Doutrina da Segunda Vinda de Cristo, precedida pelo Arrebatamento dos vivos e Ressurreição dos mortos em Cristo, antes da Grande Tribulação (Zc 14.5; 1 Ts 4.16,17; 1 Co 15.51-54; Ap 20.4).
Essas doutrinas formam o “fundamento da fé Pentecostal” sem menosprezar todas as demais doutrinas bíblicas. Elas, tão somente, são a maquinaria do ESPÍRITO Santo para fazer a Igreja viver e cumprir sua missão.
Ameaças corrosivas aos fundamentos
Torna-se inevitável para o chamado “pentecostalismo clássico”, ou seja, o pentecostalismo bíblico, refutar toda e qualquer ideia de doutrina que passa corroer os fundamentos do pensamento pentecostal. O apóstolo Paulo deparou-se com esse problema naqueles dias de seu ministério e, então, exortou os efésios: “Olhai, pois, por vós e por todo o rebanho que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue. Porque eu sei isto: que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não perdoarão o rebanho. E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens que falarão coisas perversas, para atraírem os discípulos após si”, At 20.28-30.
Já naqueles tempos da igreja do primeiro século, os líderes enfrentavam problemas de ordem doutrinaria no seio da igreja. Eram novas doutrinas insufladas com heresias perigosas advindas do gnosticismo da época e eram cheias de persuasões que desvivam muitos cristãos da fé genuína em Cristo. Surgiram de homens malignos, que Paulo os compara a lobos cruéis que entevam no seio da igreja para destruírem as ovelhas do rebanho de Cristo. Eram pessoas sem escrúpulos e capazes de subverter crentes e obreiros imaturos com ideias bonitas, conceitos triunfalistas e a comercialização das coisas do Evangelho.
Doutrinas como confissão positiva, maldição hereditária, doutrina da prosperidade, falsa teologia da fé, utilização hipnose e regresso, sopro de poder, a unção do riso, unção do leão, unção do cordeiro, doutrina do pacto do segredo, a supervalorização de símbolos e tipos em detrimento da literatura da Palavra de Deus, a espiritualidade egolátrica etc. São problemas que enfrentamos em nossos dias. O pentecostalismo autêntico (clássico) refuta essas idéia do chamado neopentecostalismo. O pentecostalismo autêntico se firma sobre os fundamentos bíblicos da Palavra Deus e rejeita toda e qualquer ideia que esteja fora da Revelação Bíblia.
Queremos uma igreja atual que mantenha seus vínculos com a história. Queremos uma igreja contextualizada com os fundamentos da Palavra de Deus. Queremos uma igreja cheia do Espírito e que fuja dos excessos do neopentecostalismo.
Pastor Elienai Cabral é teólogo, escritor, comentarista de Lições Bíblicas da CPAD, colunista do site cpadnews.com.br e membro da Casa de Letras Emílio Conde.
Jornal Mensageiro da Paz de Junho de 2011, Pág. 26.
* A foto foi publicada pelo autor do blog.