Por Elinaldo Renovato de Lima
Quando a Assembleia de Deus no Brasil completa 100 anos, é altamente gratificante vê-la buscando fazer uma avaliação de seu posicionamento, em meio ao contexto eclesiástico, social, institucional e como organização, perante a sociedade, face seus elevados objetivos e sua insigne missão, concedida pelo Senhor Jesus Cristo. Entendemos ser oportuno enfocar o tema desse artigo a partir de três perguntas, que são bastante conhecidas no meio filosófico, quando aplicadas ao homem, à sua origem, ao desenvolvimento e ao destino.
Assembleia de Deus nos seus primórdios
Oriunda de uma matriz ultraconservadora de influência europeia, os pioneiros da AD no Brasil imprimiram, na mente e no comportamento dos fieis que aceitavam a Cristo em meio ao avivamento pentecostal, um estilo de vida altamente recatado, pleno de zelo e dedicação. Era um comportamento que deles se esperava e se cobrava até rigor excessivo.
Era seus primórdios, de certa forma, não havia diferenciação entre comportamento, usos, costumes e doutrina. Quem aceitava a Cristo tinha que mudar, não apenas a forma de pensar, mas todo o seu comportamento, que incluía a maneira de vestir-se – os usos de adereços, por parte das mulheres; e os homens, via de regra, trajavam-se de modo muito sóbrio, tendo em vista que se levava a sério essa questão. Não havia diferença entre doutrina e costume. Tudo era doutrina.
Uma reação ao liberalismo religioso
A História da Igreja registra diversos movimentos, em todo o mundo, com características pentecostais. Tanto na Europa como nos Estados Unidos, grupos de cristãos passaram a ansiar por uma mudança de caráter espiritual no seio das igrejas. Ansiava-se ver o poder de Deus operando de modo marcante e maravilhoso. A fundação da Assembleia de Deus no Brasil deu-se nesse terreno fértil do fervor, em busca de mudanças na vida dos cristãos.
Características comuns se verificam nessa busca: um intenso desejo de buscar a presença de Deus; fervor na evangelização; retorno aos princípios bíblicos que norteiam a Igreja Cristã; a busca dos dons espirituais, incluindo os dons de curar, de operação de maravilhas; a busca do batismo com o Espírito Santo, com línguas estranhas; a preocupação com a santidade em face da iminente Vinda do Senhor Jesus.
Os efeito da doutrina pentecostal eram visíveis nas vidas dos convertidos à fé cristã. A santidade não era vista só em termos de doutrina, mas também em termos de usos e costumes, os quais caracterizavam, aos olhos dos estranhos, que os pentecostais eram um povo diferente “por dentro e por fora”. Com tais características, os crentes assembleianos eram tachados de “bíblias”, de “bodes”, de “capas verdes” e de “fanáticos” – no caso desse último adjetivo, não só por parte dos romanistas, mas às vezes, pelos crentes de outras denominações.
Para os primeiros crentes que aceitaram o Movimento Pentecostal na Assebleia de Deus, ser crente era ser salvo, e ser salvo implicava ser santo em toda a maneira de viver, como diz Pedro (1 Pe 1.15). Se alguém aceitava a Cristo, tinha que mostrar logo, de saída, que aceitava submeter-se a regras de conduta rígidas e muitas vezes formalistas.
Os crentes eram conhecidos, em quaisquer lugares, pelo seu testemunho e pela sua aparência externa. Os homens usavam sempre cabelos curtos, como diz a Bíblia: “Ou não vos ensina a mesma natureza que é desonra para o varão ter cabelos crescidos?”, 1 Co 11.14. Era impossível ver um jovem ou um do sexo masculino usando cabelos longos, como não é raro se ver nos dias presentes em muitas igrejas locais.
De igual modo, era verdadeiro sacrilégio ou pecado grave a mulher tosquiar-se, deixando seu cabelo ser cortado curto. A Bíblia era citada com grande autoridade: “Mas ter a mulher cabelo crescido lhe é honroso, porque o cabelo lhe foi dado em lugar de véu”, 1 Co 11.15. As mulheres, em certo tempo, tinham que trajar-se de modo rigorosamente simples, de tal forma que não poderiam mostras até mesmo parte de suas pernas; era moda o traje com gola alta, apertada no pescoço, mesmo que o clima não recomendasse esse tipo de vestuário. Tudo em nome da santidade.
Tendo em vista a visão que os lideres da igreja tinham nos primeiros tempos das Assembleias de Deus no Brasil, qualquer desvio de conduta, em termos de comportamento, de usos e costumes seria punido rigorosamente, com pena disciplinar, aplicada publicamente perante a comunidade na igreja local. Inúmeros e incontáveis casos ocorreram de pessoas que foram privadas da comunhão da igreja por causa de pequenas transgressões às normas de comportamento, ainda que alguns desses desvios não tivessem a condenação expressa da Bíblia. Esses excessos eram fruto do zelo exacerbado que os lideres tinham em cumprir os preceitos éticos da Bíblia Sagrada. Santidade era palavra de ordem do dia, em qualquer congregação. Não se aceitava que a santidade fosse apenas um estado de espirito. Tinha que ser um estado de prática, de vivência.
Em algumas igrejas, membros chegaram a ser punidos porque possuíam um receptor de rádio em suas casas. Em anos não tão remotos, de igual modo, pessoas foram excluídas da comunhão da igreja porque tiveram a ousadia de ter um aparelho de TV (às vezes, preto e branco). Em certas igrejas, uma mulher não podia andar de bicicleta ou dirigir um automóvel por isso não se bem visto pela comunidade. Era uma visão radicalista da vida social e eclesiástica. Um excesso.
Perspectivas
Com o passar dos anos, mudanças foram ocorrendo no meio das Assembleias de Deus no Brasil. Dentre essas, podemos destacar algumas, que tiveram (e têm) influencia na evolução dos comportamentos e valores dos fiéis: surgimento de obreiros com nível intelectual mais elevada; surgimento de membros e congregados possuidores de melhores níveis de instrução; melhoria no nível econômico e social dos membros as igreja; dissenções e rupturas no meio da denominação (mais igrejas com o mesmo nome); abrandamento da visão conservadora em termos de usos e costumes; falta de maior ênfase na Palavra e na santidade.
Não temos a pretensão de profetizar sobre o futuro da Assembleia de Deus no Brasil. No entanto, algumas evidências nos mostram que poderá haver dois cenários, envolvendo a denominação: se houver a continuidade na ênfase na vida de santidade, como característica indispensável à solidez dos fundamentos cristãos; se houver a valorização dos dons espirituais, não só em termos doutrinários, mas, acima de tudo, na prática da vivência dos membros e congregados; se houver a busca do Batismo com o Espírito Santo, conforme a Palavra de Deus; se houver a continuidade da ênfase na evangelização e no discipulado genuíno, e nas missões; se houver a prática do amor de Cristo na vida dos crentes; se houver a manutenção dos bons usos e costumes, com base na Palavra de Deus, sem fanatismo e radicalismos; se houver o crescimento, não só na graça, mas no conhecimento, através do ensino da Palavra de Deus; se houver uma liderança comprometida com o Reino de Deus, e não meramente com interesses da política eclesiástica, então podemos antever um futuro ainda mais brilhante para a Assembleia de Deus no Brasil, tanto em termos espirituais, como em termos sociais e numéricos.
No entanto, se não houver as características acima citadas, poderemos ver o enfraquecimento e a decadência da AD brasileira, que tem sido a maior denominação evangélica da Brasil e uma das maiores do mundo. Deus poderá levantar outra igreja que ocupará o espaço que foi concedido a Assembleia de Deus no Brasil. Que esta última hipótese não venha jamais se concretizar. Maranata!
Pastor Elinaldo Renovato de Lima é líder da AD em Parnamirim (RN), comentarista de Lições Bíblicas da CPAD, escritor e membro da Casa de Letras Emílio Conde.
Jornal Mensageiro da Paz de Junho de 2011, Pág. 24.
* A foto foi publicada pelo autor do blog
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