quarta-feira, 27 de setembro de 2017

A RELEVÂNCIA PENTECOSTAL NA ESFERA PÚBLICA


 Por Valmir Nascimento 
O que foi dito até este ponto vale para o Cristianismo em geral e para o Pentecostalismo em particular. Falando a partir de uma perspectiva de quem acredita na atualidade dos dons, no Batismo com o Espírito Santo e na glossolalia, devo ressaltar que os pentecostais têm sido caracterizados como um povo de muito poder, mas pouco envolvimento com as questões de natureza pública. Gregory J. Miller)afirmou que “acentuando a experiência de Deus na conversão e também uma dotação especial pelo Espírito Santo para o serviço e ministério cristãos (At 2.4; 1 Co 12), os pentecostais trouxeram energia para o evangelismo e missões mundiais”1. Tal assertiva é verdadeira, mas por que essa energia não é percebida também na esfera pública) em todos os setores da sociedade?
Não deveria ser assim, pois um dos fatores que distingue o Pentecostalismo das demais vertentes do protestantismo é a sua crença na continuidade dos dons — e a consequente capacitação para o testemunho público, assim como o entendimento de que o livro de Atos fornece um modelo para a igreja contemporânea. Nas palavras de Robert Menzies: “A hermenêutica do crente pentecostal típico é direta e simples: as histórias em Atos são minhas histórias — histórias que foram escritas para servir de modelo para moldar a minha vida e experiência”2. Se as narrativas de Atos nos servem de modelo, como de fato acreditamos, deveríamos dar semelhante testemunho impactante que os irmãos da Igreja Primitiva deram, sem nos limitar ao âmbito eminentemente religioso.
Além disso, de maneira mais articulada, a teologia pentecostal também pode refletir sobre questões públicas a partir de seus próprios pressupostos teológicos, sem depender inteiramente de outras tradições religiosas (Foi-se o tempo em que se achava que o Pentecostalismo era um movimento a procura de uma teologia). Dentro dessa perspectiva, o teólogo pentecostal Amos Yong afirma que, embora se suponha que o Pentecostalismo seja uma teologia baseada na experiência, espiritualidade ou piedade, é possível se extrair dela implicações normativas para a fé cristã em praça pública. Ele observa que uma reflexão teológica distintamente pentecostal não é apenas uma atividade eclesiástica, “mas tem potencial construtivo para iluminar a crença e a prática cristã no século XXI”3.
Com base nessa premissa, Amos Yong recorda que as cinco afirmações teológicas do Pentecostalismo (Jesus salva, santifica, batiza com o Espírito Santo, cura e em breve voltará para reinar), que formam o Evangelho quíntuplo, serve de estrutura analítica para a auto- compreensão distintiva e coerente do Pentecostalismo, honrando a sua natureza plural, ao mesmo tempo em que é útil para pensar teologicamente a participação social, política e econômica dos carismáticos.
De fato, embora as cinco máximas doutrinárias da teologia pentecostal possam ser consideradas simples por alguns, elas honram as Escrituras, exaltam a centralidade e soberania de Cristo, e fornecem diretrizes cardeais para o nosso envolvimento com a sociedade contemporânea, tendo o Evangelho de Atos como modelo.
Com efeito, Jesus como salvador e libertador, enfatiza o senhorio de Cristo e a majestade de Deus sobre toda a criação, revelando o poder de Jesus sobre a morte e o pecado.
Jesus como santificador aponta para restauração e santificação do povo de Deus incluem não somente sua purificação, mas também sua consagração para testemunhar e contribuir com a redenção do mundo4, implicando assim consequências políticas. Contudo, tendo como exemplo a Igreja Primitiva, ao mesmo tempo em que preserva certa separação cristã em relação ao mundo, uma política de santidade inspira compromisso cultural de engajamento e transformação, discernido pelo Espírito e conduzido para a glória de Deus. Além da erradicação dos efeitos do pecado no nível pessoal, a santidade conduz à busca da perfeição que trás efeitos sócio-políticos, impactando organizações e instituições locais.
Jesus como aquele que batiza no Espírito Santo — permite articular, segundo Yong, uma política profética na sociedade civil. Classicamente, a teologia pentecostal compreende o batismo no Espírito Santo como um revestimento de poder divino, que capacita o cristão para o testemunho e evangelização do mundo. Além disso, o empoderamento do Espírito capacita o crente para testemunhar explicitamente na praça pública, instigando também para uma vida de comunidade, mutualidade e generosidade.
Amos sugere, em Jesus como curador, que as curas corporais não são eventos tão somente milagrosos, mas soteriológicos, como sinal do Reino de Deus. Inspirada pelo Espírito, a igreja é, então, a manifestação da cura, reconciliação, paz e justiça5. No plano econômico, em vez de ser dominada pela lógica do mercado de troca e suas transações de oferta e demanda, a igreja é guiada pneumatologicamente pela graça, perdão e solidariedade, servindo a Deus e não a Mamom.
Jesus como o rei que está voltando, o último elemento doutrinário desfalista, aponta para uma dimensão escatológica da teologia pentecostal. Enquanto Deus derrama o seu Espírito no tempo presente, ainda trabalha ativamente na esperança do Reino vindouro. Com efeito, a dimensão escatológica da teologia política de matriz pentecostal refere-se não meramente a crenças do porvir, mas orienta a prática cristã no presente. A esperança cristã engloba o dom do Espírito que nos atrai para a história de Jesus e evita uma mentalidade escapista, permitindo com isso um desempenho em praça pública,6 como um povo de oração, adoração e louvor, testemunhando os poderes da cruz, como antecipação da restauração-futura.
Assim, para que a igreja possa ser relevante em um mundo caído e corrompido, devemos nos lembrar destas verdades simples, mas poderosas: Jesus salva e liberta, santifica, cura, batiza no Espírito Santo e em breve voltará.

É exatamente a partir desta perspectiva que o presente livro foi escrito. Embora tenha sido produzido com o propósito de servir como apoio à lição bíblica de jovens de mesmo título, as reflexões e pesquisas aqui contidas são mais abrangentes, com o propósito de discutir sobre diversos temas que emergem na sociedade contemporânea, a respeito dos quais somos chamados a dar respostas contundentes à luz das Escrituras e das convicções cristãs. Mais que isso, é um convite ao testemunho no poder do Espírito!
1 PALMER, M. D. (Org.). Panorama do Pensamento Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. p. 143.
2 MENZIES, R. Pentecostes: Essa História É a nossa História. E-book Kindle. Rio de Janeiro: CPAD, 2016, p. 322.
3 YONG, A. In lhe Days of the Caezar. Pentecostalism and Political Theology (Sacra Doc- trina: Christian Theology for a Postmodem Age). E-book Kindle. Grand Rapids, Michigan: The Cadbury lectures, 2009, p. 142.
4 YONG, 2009, p. 2237.
5 YONG, 2009, p. 3363.
6 YONG, 2009, p. 3947.

SEGUIDORES DE CRISTO: testemunhando numa sociedade em ruínas. Valmir Nascimento. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

O PRIMEIRO LÍDER DA IGREJA FOI PEDRO OU TIAGO?

“É correto dizer que Pedro foi líder da Igreja Primitiva 
ou essa função foi de Tiago? ”
(Valdenir Silva, Coroatá - MA)


Por José Gonçalves

Por ocasião da 18ª Jornada Mundial da Juventude, I que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, o Papa Francisco deu início ao seu discurso de boas vindas com as seguintes palavras: “Quis Deus na sua amorosa providência que a primeira viagem internacional do meu Pontificado me consentisse voltar à amada América Latina, precisamente ao Brasil, nação que se gloria de seus sólidos laços com a Sé Apostólica e dos profundos sentimentos de fé e amizade que sempre a uniram de modo singular ao Sucessor de Pedro. Dou graças a Deus pela sua benignidade” (os itálicos são meus).
O que faz o Papa acreditar de feto no mito que é o Sucessor de Pedro?
A crença católica se fundamenta na tradição de que o apóstolo Pedro supostamente teria sido o primeiro líder da Igreja, consequentemente o primeiro Papa. A tradição católica defende que o apóstolo Pedro, logo após o término do seu episcopado em Antioquia, se tornou o primeiro bispo de Roma. Para a doutrina católica, Pedro teria ido a Roma logo após a sua libertação da prisão em Jerusalém (At 12) e tempos depois teria voltado para participar nessa mesma cidade do primeiro Concílio da Igreja.
Sem dúvida, essa é a principal excrescência do catolicismo romano. A razão é bastante simples: de acordo com a Bíblia, Tiago e não Pedro foi quem liderou a igreja apostólica nos seus primórdios. De acordo com a Enciclopédia Virtual Wikipedia, “Tiago, o justo, morto em 62 d.C, também conhecido como Tiago de Jerusalém, Tiago Adelfo ou ainda Tiago, o irmão do Senhor, foi uma importante figura nos primeiros anos do cristianismo. Tiago, o Justo, era o líder do movimento cristão em Jerusalém nas décadas seguintes à morte de Jesus”.
D e fato, o livro de Atos dos Apóstolos põe em evidência essa liderança de Tiago na Igreja Primitiva: “Então toda a multidão se calou e escutava a Barnabé e a Paulo, que contavam quão grandes sinais e prodígios Deus havia feito por meio deles entre os gentios. E, havendo-se eles calado, tom ou Tiago a palavra, dizendo: Homens irmãos, ouvi-me: Simão relatou como primeiramente Deus visitou os gentios, para tomar deles um povo para o seu nome. E com isto concordam as palavras dos profetas; como está escrito: Depois disto voltarei, e reedificarei o tabernáculo de Davi, que está caído, levantá-lo-ei das suas ruínas, e tom arei a edificá-lo. Para que o restante dos homens busque ao Senhor, e todos os gentios, sobre os quais o meu nome é invocado, diz o Senhor, que fez todas estas coisas, conhecidas são a Deus, desde o princípio do mundo, todas as suas obras. Por isso julgo que não se deve perturbar aqueles, dentre os gentios, que se convertem a Deus. Mas escrever-lhes que se abstenham das contam inações dos ídolos, d a fornicação, do que é sufocado e do sangue” (At 15.12-20).
O próprio Pedro reconhece esse fato quando, logo após a sua libertação da prisão, manda comunicar o fato a Tiago: “Ele, porém, fazendo-lhes sinal com a mão para que se calassem, contou-lhes como o Senhor o tirara da prisão e acrescentou: Anunciai isto a Tiago” (At 12.17).
Esse posto de proeminência de Tiago na igreja apostólica também é documentado por Josefo, um dos grandes historiadores da igreja e contemporâneo dos cristãos primitivos. Na sua Magnus Opus, a obra História dos Hebreus (publicada no Brasil pela CPAD), Josefo m ostra como até mesmo as autoridades viam em Tiago a liderança da igreja apostólica.
Após falar de Anano, um dos líderes da seita dos saduceus, Josefo escreve: “Ele aproveitou o tempo da morte de Festo, e Albino ainda não havia chegado, para reunir um conselho diante do qual fez comparecer Tiago, irmão de Jesus chamado Cristo, e alguns outros; acusou-os de terem desobedecido às leis e os condenou ao apedrejamento. Esse ato desagradou muito a todos os habitantes de Jerusalém, que eram piedosos e tinham verdadeiro amor pela observância das nossas leis”.
Ficam os, portanto, com a verdade bíblica e as palavras do ex-sacerdote católico Anibal Pereira dos Reis: “Pedro nunca foi papa e nem o Papa é Vigário de Cristo”.

José Gonçalves é pastor em Água Branca (PI), escritor e comentarista de Lições Bíblicas da CPAD.

Jornal Mensageiro da Paz, outubro de 2013, p.17: CPAD.


QUEM ERA MELQUISEDEQUE?

Como entender esse personagem que a Bíblia diz ter existido “sem genealogia”?
(Junior Severino, Rio de Janeiro - RJ)


Por Esdras Costa Bentho

Melquisedeque, personagem histórico citado como rei e sa­cerdote nas perícopes de Gênesis 14.18-20 e Salmos 110.4, é interpretado em Hebreus 5.6,10; 6.20 e 7.1 -10 conforme os midrashim (comentários) hebraicos e os tipos bíblicos. No primeiro texto, Abraão encontra-se com Melquisedeque após a vitória contra quatro reis no campo de vitória. Melquisedeque, rei e sacerdote do Deus Altíssimo, cumprimentou Abraão e o abençoou, recebendo dele o dízimo de todos os despojos. Aqui os leitores judeus são convocados à reflexão a respeito da superioridade de Melquisedeque sobre o pai das bênçãos salvífica e fundador da nação israelita, Abraão (Hb 7.4, 6-8).
No segundo excerto, o Messias-Sacerdote procede de outra estirpe sacerdotal claramente oposta à levítica - a ordem de Melquisedeque. Nada é dito a respeito dos antepassados de Melquisedeque, de seu nascimento ou de sua morte (Hb 7.3). Ele é uma figura histórica, mas enigmática. Todavia, para o hagiógrafo não é tão importante os poucos fetos a respeito dessa figura misteriosa, mas o significado cristológico e salvífico que os relatos assumem. E inegável que o autor aos Hebreus tem como pressupostos, em sua exegese, a inspiração das Escrituras, a pessoa de Jesus como chave para a interpretação do Antigo Testamento (Lc 24.44), e o entendimento de que a história do povo eleito é fonte da revelação divina. A salvação, portanto, não é fuga da realidade e da temporalidade, mas realiza-se no plano histórico e cotidiano. Deus não somente se revela no plano religioso como também na esfera pública.
Aprendemos com o anônimo autor, que as ações de Deus ultrapassavam os limites da religião judaica, assim como excedem as fronteiras do cristianismo contemporâneo. Abraão fora chamado de sua religiosidade para viver de conformidade com a revelação histórica. Recorre o escritor à etimologia do nome Melquisedeque para relacioná-lo imediatamente ao Messias, que também é chamado de “rei de justiça” e “rei de paz” (cp. Hb 7.2; Jr 23.6; Is 9.5). A seguir, interpreta, à maneira rabínica, os dois gestos em relação a Abraão: o dízimo recebido e a bênção dada ao patriarca (Hb 7.3-9), evidências da preeminência de Melquisedeque sobre Abraão e seus descendentes, os levitas. Observe, no entanto, que não é Jesus que é feito à semelhança de Melquisedeque, mas este à semelhança de Cristo (v.3).
O primeiro é o antítipo. O segundo o tipo. O tipo revela-se no Antigo Testamento, mas o antítipo em o Novo. Melquisedeque, assim como Adão, era “figura daquele que havia de vir” (Rm 5.14). Logo, os tipos são uma forma de profecia. A profecia consiste numa predição verbal, ao passo que o tipo é a predição feita pela correspondência entre duas realidades — o tipo e o antítipo. O tipo contém traços de predição, descrição e simbolismo. Ele antevê e chama atenção para o antítipo. O tipo é uma sombra que indica outra realidade (Cl 2.17). O tipo não é fantasia humana; ao contrário, responde ao programa da revelação estabelecida por Deus desde o princípio.

Esdras Costa Bentho é pastor, mestrando em Teologia pela PUC - RJ, pedagogo e autor das obras: Hermenêutica Fácil e Descomplicada e A Família no Antigo Testamento, ambos editados pela CPAD.

Jornal Mensageiro da Paz, maio de 2012, p.17: CPAD.