Por Valmir Nascimento
O que foi dito até este ponto vale para
o Cristianismo em geral e para o Pentecostalismo em particular. Falando a
partir de uma perspectiva de quem acredita na atualidade dos dons, no Batismo
com o Espírito Santo e na glossolalia, devo ressaltar que os
pentecostais têm sido caracterizados como um povo de muito poder, mas pouco
envolvimento com as questões de natureza pública.
Gregory J. Miller)afirmou que “acentuando a experiência de Deus na conversão e
também uma dotação especial pelo Espírito Santo para o serviço e ministério
cristãos (At 2.4; 1 Co 12), os pentecostais trouxeram energia para o evangelismo e missões mundiais”1.
Tal assertiva é verdadeira, mas por que
essa
energia não é percebida também na esfera pública) em todos os setores da
sociedade?
Não deveria ser assim, pois um dos
fatores que distingue o Pentecostalismo das demais vertentes do protestantismo
é a sua crença na continuidade dos dons — e a consequente capacitação para o
testemunho público, assim como o entendimento de que o livro de Atos fornece um
modelo para a igreja contemporânea. Nas palavras de Robert Menzies: “A
hermenêutica do crente pentecostal típico é direta e simples: as histórias em
Atos são minhas histórias — histórias que foram escritas para servir de modelo
para moldar a minha vida e experiência”2. Se as narrativas de Atos
nos servem de modelo, como de fato acreditamos, deveríamos dar semelhante
testemunho impactante que os irmãos da Igreja Primitiva deram, sem nos limitar
ao âmbito eminentemente religioso.
Além disso, de maneira mais articulada,
a teologia pentecostal também pode refletir sobre questões públicas a partir de
seus próprios pressupostos teológicos, sem depender inteiramente de outras
tradições religiosas (Foi-se o tempo em que se achava que o Pentecostalismo era
um movimento a procura de uma teologia). Dentro dessa perspectiva, o teólogo
pentecostal Amos Yong afirma que, embora se suponha que o Pentecostalismo seja
uma teologia baseada na experiência, espiritualidade ou piedade, é possível se
extrair dela implicações normativas para a fé cristã em praça pública. Ele
observa que uma reflexão teológica distintamente pentecostal não é apenas uma
atividade eclesiástica, “mas tem potencial construtivo para iluminar a crença e
a prática cristã no século XXI”3.
Com base nessa premissa, Amos Yong
recorda que as cinco afirmações teológicas do Pentecostalismo (Jesus salva,
santifica, batiza com o Espírito Santo, cura e em breve voltará para reinar),
que formam o Evangelho quíntuplo, serve de estrutura analítica para a auto-
compreensão distintiva e coerente do Pentecostalismo, honrando a sua natureza
plural, ao mesmo tempo em que é útil para pensar teologicamente a participação
social, política e econômica dos carismáticos.
De fato, embora as cinco máximas
doutrinárias da teologia pentecostal possam ser consideradas simples por
alguns, elas honram as Escrituras, exaltam a centralidade e soberania de
Cristo, e fornecem diretrizes cardeais para o nosso envolvimento com a
sociedade contemporânea, tendo o Evangelho de Atos como modelo.
Com efeito, Jesus como salvador e libertador, enfatiza o senhorio de Cristo e a
majestade de Deus sobre toda a criação, revelando o poder de Jesus sobre a
morte e o pecado.
Jesus como santificador aponta para restauração e
santificação do povo de Deus incluem não somente sua purificação, mas também
sua consagração para testemunhar e contribuir com a redenção do mundo4,
implicando assim consequências políticas. Contudo, tendo como exemplo a Igreja
Primitiva, ao mesmo tempo em que preserva certa separação cristã em relação ao
mundo, uma política de santidade inspira compromisso cultural de engajamento e
transformação, discernido pelo Espírito e conduzido para a glória de Deus. Além
da erradicação dos efeitos do pecado no nível pessoal, a santidade conduz à
busca da perfeição que trás efeitos sócio-políticos, impactando organizações e
instituições locais.
Jesus como aquele
que batiza no Espírito Santo — permite articular, segundo Yong, uma
política profética na sociedade civil. Classicamente, a teologia pentecostal
compreende o batismo no Espírito Santo como um revestimento de poder divino,
que capacita o cristão para o testemunho e evangelização do mundo. Além disso, o
empoderamento do Espírito capacita o crente para testemunhar explicitamente na
praça pública, instigando também para uma vida de comunidade, mutualidade e
generosidade.
Amos sugere, em Jesus como curador, que as curas
corporais não são eventos tão somente milagrosos, mas soteriológicos, como
sinal do Reino de Deus. Inspirada pelo Espírito, a igreja é, então, a
manifestação da cura, reconciliação, paz e justiça5. No plano
econômico, em vez de ser dominada pela lógica do mercado de troca e suas
transações de oferta e demanda, a igreja é guiada pneumatologicamente pela
graça, perdão e solidariedade, servindo a Deus e não a Mamom.
Jesus como o rei que
está voltando, o
último elemento doutrinário desfalista, aponta para uma dimensão escatológica
da teologia pentecostal. Enquanto Deus derrama o seu Espírito no tempo
presente, ainda trabalha ativamente na esperança do Reino vindouro. Com efeito,
a dimensão escatológica da teologia política de matriz pentecostal refere-se
não meramente a crenças do porvir, mas orienta a prática cristã no presente. A
esperança cristã engloba o dom do Espírito que nos atrai para a história de
Jesus e evita uma mentalidade escapista, permitindo com isso um desempenho em
praça pública,6 como um povo de oração, adoração e louvor,
testemunhando os poderes da cruz, como antecipação da restauração-futura.
Assim, para que a igreja possa ser relevante em um mundo
caído e corrompido, devemos nos lembrar destas verdades simples, mas poderosas:
Jesus salva e liberta, santifica, cura, batiza no Espírito Santo e em breve
voltará.
É exatamente a partir desta perspectiva que o presente
livro foi escrito. Embora tenha sido produzido com o propósito de servir como
apoio à lição bíblica de jovens de mesmo título, as reflexões e pesquisas aqui
contidas são mais abrangentes, com o propósito de discutir sobre diversos temas
que emergem na sociedade contemporânea, a respeito dos quais somos chamados a
dar respostas contundentes à luz das Escrituras e das convicções cristãs. Mais
que isso, é um convite ao testemunho no poder do Espírito!
1 PALMER, M. D.
(Org.). Panorama do Pensamento Cristão. Rio de Janeiro: CPAD, 2001. p. 143.
2 MENZIES, R.
Pentecostes: Essa História É a nossa História. E-book Kindle. Rio de Janeiro:
CPAD, 2016, p. 322.
3 YONG, A. In lhe
Days of the Caezar. Pentecostalism and Political Theology (Sacra Doc- trina:
Christian Theology for a Postmodem Age). E-book Kindle. Grand Rapids, Michigan:
The Cadbury lectures, 2009, p. 142.
4 YONG, 2009, p.
2237.
5 YONG, 2009, p.
3363.
6 YONG, 2009, p.
3947.
SEGUIDORES DE CRISTO: testemunhando numa sociedade em ruínas. Valmir Nascimento. Rio de Janeiro: CPAD, 2017.