Como entender esse personagem que a Bíblia
diz ter existido “sem genealogia”?
(Junior Severino, Rio de Janeiro - RJ)
Por Esdras Costa Bentho
Melquisedeque,
personagem histórico citado como rei e sacerdote nas perícopes de Gênesis
14.18-20 e Salmos 110.4, é interpretado em Hebreus 5.6,10; 6.20 e 7.1 -10
conforme os midrashim (comentários) hebraicos e os tipos bíblicos. No primeiro texto,
Abraão encontra-se com Melquisedeque após a vitória contra quatro reis no campo
de vitória. Melquisedeque, rei e sacerdote do Deus Altíssimo, cumprimentou
Abraão e o abençoou, recebendo dele o dízimo de todos os despojos. Aqui os
leitores judeus são convocados à reflexão a respeito da superioridade de Melquisedeque
sobre o pai das bênçãos salvífica e fundador da nação israelita, Abraão (Hb 7.4,
6-8).
No segundo excerto, o
Messias-Sacerdote procede de outra estirpe sacerdotal claramente oposta à levítica
- a ordem de Melquisedeque. Nada é dito a respeito dos antepassados de
Melquisedeque, de seu nascimento ou de sua morte (Hb 7.3). Ele é uma figura
histórica, mas enigmática. Todavia, para o hagiógrafo não é tão importante os
poucos fetos a respeito dessa figura misteriosa, mas o significado cristológico
e salvífico que os relatos assumem. E inegável que o autor aos Hebreus tem como
pressupostos, em sua exegese, a inspiração das Escrituras, a pessoa de Jesus
como chave para a interpretação do Antigo Testamento (Lc 24.44), e o
entendimento de que a história do povo eleito é fonte da revelação divina. A
salvação, portanto, não é fuga da realidade e da temporalidade, mas realiza-se no
plano histórico e cotidiano. Deus não somente se revela no plano religioso como
também na esfera pública.
Aprendemos com o anônimo autor, que as ações de Deus ultrapassavam os
limites da religião judaica, assim como excedem as fronteiras do cristianismo contemporâneo.
Abraão fora chamado de sua religiosidade para viver de conformidade com a
revelação histórica. Recorre o escritor à etimologia do nome Melquisedeque para
relacioná-lo imediatamente ao Messias, que também é chamado de “rei de justiça”
e “rei de paz” (cp. Hb 7.2; Jr 23.6; Is 9.5). A seguir, interpreta, à maneira rabínica,
os dois gestos em relação a Abraão: o dízimo recebido e a bênção dada ao
patriarca (Hb 7.3-9), evidências da preeminência de Melquisedeque sobre Abraão e
seus descendentes, os levitas. Observe, no entanto, que não é Jesus que é feito
à semelhança de Melquisedeque, mas este à semelhança de Cristo (v.3).
O primeiro é o
antítipo. O segundo o tipo. O tipo revela-se no Antigo Testamento, mas o antítipo
em o Novo. Melquisedeque, assim como Adão, era “figura daquele que havia de
vir” (Rm 5.14). Logo, os tipos são uma forma de profecia. A profecia consiste
numa predição verbal, ao passo que o tipo é a predição feita pela correspondência
entre duas realidades — o tipo e o antítipo. O tipo contém traços de predição,
descrição e simbolismo. Ele antevê e chama atenção para o antítipo. O tipo é
uma sombra que indica outra realidade (Cl 2.17). O tipo não é fantasia humana;
ao contrário, responde ao programa da revelação estabelecida por Deus desde o
princípio.
Esdras
Costa Bentho é pastor, mestrando em Teologia pela PUC - RJ,
pedagogo e autor das obras: Hermenêutica Fácil e Descomplicada e A Família no Antigo
Testamento, ambos editados pela CPAD.
Jornal
Mensageiro da Paz, maio de 2012, p.17: CPAD.
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