quinta-feira, 23 de maio de 2019

A TEOLOGIA NARRATIVA E A DESCONSTRUÇÃO DA BÍBLIA - PARTE 1



Por Silas Daniel


Não há como falar de Igreja Emergente sem falarmos de um de seus pressupostos mais amados: a Teologia Narrativa. Esse pressuposto está vinculado diretamente ao conceito de Hermenêutica Generosa ou Hermenêutica Pós-moderna, de que já falamos. O nome Teologia Narrativa se deve ao fato de que seus adeptos propõem que a Bíblia precisa ser entendida não como uma obra proposicional, que apresenta doutrinas, mas tão somente como uma grande narrativa devocional que deve ser lida e interpretada sem preocupação com as regras de hermenêutica.
A Teologia Narrativa seria, portanto, uma construção teológica supostamente alternativa contra o que os emergentes chamam de repetição dogmática ou rigidez cientifica na interpretação da Bíblia.

ONDE TUDO COMEÇOU

A gênese da Teologia Narrativa, por incrível que possa parecer, se deu com o filosofo ateu, anticristão e anti-valores Friedrich Nietzsche (1844-1900).
Mas, como assim? O que esse filosofo anticristão e anti-Deus tem a ver com uma teologia que se propõe crista?
Nietzsche e considerado o pai da pós-modernidade e tem esse título justamente porque iniciou a crítica contundente e acida a todo tipo de instituição ou de valor absoluto, e esse tipo de crítica acabou sendo absorvido como uma característica básica da pós-modernidade.
Filho de um pastor luterano chamado Karl Ludwig, que morreu prematuramente, Nietzsche inicialmente queria ser pastor como o pai, porém, em 1864, abandonou o projeto para se formar em Filologia. Logo que se formou, conseguiu um emprego como professor de Filologia Clássica na Universidade de Basileia, na Suíça.
Ainda jovem e já lecionando, Nietzsche resolveu publicar seus primeiros livros, mas teve o desprazer de ver suas obras rejeitadas pela crítica a ponto de ter sido até mesmo excluído do círculo de filólogos de sua época. Frustrado e deprimido, Nietzsche decide, então, ser um “espirito livre”, como se definiu, e escrever contra tudo que antes defendera. Se antes escrevera defendendo o musico Wagner e o filosofo Schopenhauer, agora passa a ataca-los. Renuncia o que chamou de “vontade culpada” de Schopenhauer, substituindo-a pelo que define como “vontade alegre”. Se louvara o “espirito alemão”, agora passou a despreza-lo. Em Humano, demasiado humano (1878), sua primeira obra da nova fase, ele afirma que o homem e o criador dos valores, mas costuma esquecer sua própria criação vendo nela algo de “transcendente”, “eterno” e “verdadeiro”, quando os valores não seriam mais do que algo “humano, demasiado humano”. Ele defende as mesmas ideias em dois outros livros: Para além do bem e do mal (1885) e. Para uma genealogia da moral (1887). O britânico C. S. Lewis desintegraria tais ideias brilhantemente nos primeiros capítulos de sua obra Cristianismo Puro e Simples. Ele não foi o único a fazê-lo, mas sua abordagem sobre o assunto e uma das mais precisas.
Em Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar com o martelo (1888), os ataques de Nietzsche são contra o Estado, as instituições, a moral, o espirito alemão, as ilusões da filosofia e a verdade. Ainda em 1888, publica Anticristo, onde ataca tudo o que é cristão ou esteja “infectado” pelo cristianismo.
Resumindo, Nietzsche, que e mais conhecido por ter declarado “Deus está morto”, negou a existência de qualquer tipo de valor absoluto e proclamou o desprezo as instituições. Terminou louco e assim morreu em 1900, mas a influência dos seus escritos se fez sentir no início do século 20 e, no meio filosófico, especialmente na Franca dos anos 60. Foi ali que, há pouco mais de 40 anos, inspirados por Nietzche, três filósofos — Michel Foucault (1926-1984), Jacques Derrida (1930-2004) e Julia Kristeva (1941-) – iniciaram dois movimentos simultâneos chamados pós-estruturalismo e desconstrutivismo, que, mais tarde, aplicados a hermenêutica bíblica, criaram a Teologia Narrativa.
Foucault foi um famoso filosofo e professor de História dos Sistemas de Pensamento no College de France de 1970 a 1984. Homossexual e adepto de uma vida desregrada, ele faleceu aos 57 anos, em decorrência de AIDS. Porém, antes de morrer, deixou sua marca em favor do pós-estruturalismo e do desconstrutivismo ao criar e popularizar a teoria de que todo tipo de discurso e, no fundo e sempre, uma tentativa de exercer influência e poder sobre as pessoas. Ele era contra todo e qualquer tabu social e tinha aversão ao discurso cristão ou religioso de forma geral.
De origem judaica, Jacques Derrida nasceu na Argélia, então colônia francesa, e sofreu muito em sua infância por causa do anti-semitismo. Já na juventude, tornou-se discípulo confesso dos escritos dos ateus Friedrich Nietzsche, Jean-Jacques Rousseau e Albert Camus. Inspirado nesses seus ídolos, Derrida fundou o desconstrutivismo, tese que propõe a indeterminação do sentido dos textos. Explicando: segundo Derrida, qualquer texto deve ser lido sem procurarmos qualquer intenção do autor por trás dele. Para o francês, só interpretamos melhor uma obra quando não buscamos um proposito autoral por trás dessa obra. Caberia a cada leitor, portanto, dar aos textos o significado que ele mesmo acha que tenham. Outro detalhe e que os significados dados devem ser não apenas independentes do objetivo revelado pelo autor da obra, mas também de qualquer interpretação decorrente dos métodos tradicionais de interpretação de textos. Isto e, os princípios hermenêuticos clássicos devem ser desprezados totalmente. Isso e desconstrutivismo. Já a filosofa franco-búlgara Julia Kristeva, que também e psicanalista e critica literária, além de defender o desconstrutivismo e o pós-estruturalismo, foi líder do movimento feminista na Franca, tendo também exercido forte influência no movimento feminista da Inglaterra e dos Estados Unidos. Ela defende enfaticamente a relativização dos valores, princípio básico da pós-modernidade. Aliás, o pós-estruturalismo, bandeira empunhada pelo trio Foucault, Derrida e Kristeva, e basicamente a negação da existência de verdades absolutas. Foi aplicando o pós-estruturalismo e o desconstrutivismo de Derrida, Foucault e Kristeva a teologia que nasceu a Teologia Narrativa, defendida hoje pela maioria esmagadora dos teólogos adeptos da Igreja Emergente e por alguns cristãos simpatizantes.

Trecho do livro, A SEDUÇÃO DAS NOVAS TEOLOGIAS - Silas Daniel: CPAD. 

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