Por Esequias Soares
Por ocasião das comemorações da Reforma Protestante, um
conhecido pastor brasileiro afirmou, em declaração infeliz, que “uma igreja que
pratica companha, jejum ou reuniões específicas para receber uma benção não é
protestante”, concluindo em seguida que pentecostais não podem ser considerados
protestantes, o que merece uma resposta bíblica.
No último 31 de outubro, a Reforma Protestante completou
488 anos de história. A suprema conquista da Reforma foi o reconhecimento das
Sagradas Escrituras como a fonte única da doutrina, do conteúdo da fé cristã. A
salvação é somente pela graça, recebida somente pela fé de cada cristão.
Martinho Lutero veio em primeiro lugar como fundador de
um movimento que se perpetuou, ao passo que “Igrejas Reformadas” é o termo
aplicado às que seguiram o movimento de João Calvino. Eles próprios se
submeteriam ao consenso do que as Sagradas Escrituras ensinam. Daí Calvino
dizer que “a igreja reformada sempre deve esta se reformando”, enquanto que a
mentalidade do irmão mais velho do filho pródigo quer uma rigidez no ponto até
onde alcançou, e não há vaga para os demais. Isto é: as conquistas religiosas
dos tempos da Reforma não conseguiram impedir que o Espírito Santo continuasse
falando aos crentes.
Historicamente, a igreja quando passou a ser a religião
oficial do Império Romano, já sem perseguições e martírios, foi desenvolvendo
um sistema de jejuns meritórios, justamente o que se critica. Os reformadores,
diante disso, rejeitavam dias obrigatórios de jejuns. Por outro lado, a volta
sistemática aos ensinos bíblicos pelas igrejas verdadeiramente fiéis trouxe de
volta o jejum no seu sentido espiritual, de comunhão com Deus, de buscas a sua
presença e com fé.
O jejum, na Bíblia, inclui abstinência de todos os
alimentos durante determinado período de tempo. É normalmente vinculado com
atos públicos de religião, seja no Dia da Expiação (Lv 16.29-31), seja em
tempos de perigo nacional (Jz 20.26) ou de arrependimento e renovação da fé em
Deus. Sempre era ligado à oração, a humilhar-se diante de Deus, a buscar a face
do Senhor, e qualquer indivíduo podia jejuar em momentos de aflição, para
buscar consolo da parte de Deus, ou como expressão de piedade ou devoção
conforme a ocasião que cada fiel escolhia.
Em Ester 4.16, livro em que não aparece literalmente o
nome de Deus, o jejum para os judeus significava, especificamente, buscar a
Deus, humilhar-se diante Dele, pedir a sua intervenção. Tratava-se de uma
campanha de oração a Deus!
Os profetas podiam condenar o jejum falso, com rito
praticado por pessoas que não se arrependeram genuinamente diante de Deus e que
não se deixariam comover pelo amor ao próximo (Is 5.8 e Jr 14.11-12), mas,
justamente assim, definem o que o jejum deve ser.
Jesus mesmo fez seu grande jejum no deserto antes de
iniciar o seu ministério (Mt 4.1-2 e Lc 4.1-2). Por contraste com os jejuns tão
comuns entre os judeus dos seus tempos, com tantas regras e pormenores, Jesus
enfatizou ser o jejum mais um ato individual de devoção a Deus, sem ostentação
pública, e menos apropriado na presença pessoal de Jesus do que depois da sua
partida (Mt 6.16-18; 9.14-15).
Nossos críticos jamais deveriam esquecer a expressão
“meios da graça” que os reformadores usavam bastante. Orações, leituras
bíblicas, pregações, o batismo, a Santa Ceia e numerosos princípios registrados
na Bíblia, todos são meios de o crente apresentar a mão vazia para aceitar a
graça. “Graça” desvinculada de qualquer ligação entre o ser humano e Deus
parece bem sub-protestante.
Considerando infundada a declaração “os pensadores
pentecostais desenvolveram uma explicação baseados nas experiências”. Convém
lembrar que a “explicação” provém da Bíblia. A definição pentecostal só pode
ter existência sólida no estudo da Palavra de Deus, tanto as breves meditações
singelas dos mais humildes cordeiros de Jesus como as grandes obras da Teologia
Sistemática pentecostal.
É verdade que a doutrina pentecostal dá muita ênfase às
experiências pessoais do cristão com o Senhor Jesus. Mas, a diferença básica é
que essas experiências são fundamentadas na Palavra de Deus. Religião sem
sobrenatural é mera filosofia.
Na farta literatura pentecostal que tem surgido a partir
de 1900, existe muitos estudos bíblicos sobre a atuação do Espírito Santo na
Bíblia e comprovações de que a mesma atuação continua se desdobrando onde ela é
aceita, isto sem negar a soberania divina que permite surgir a mesma operação
milagrosa onde nem era esperada. Quaisquer experiências são fruto dessa atuação
do Espírito Santo, “repartindo particularmente a cada um como quer” (1 Co
12.11). Cada uma tem suas características individuais.
Uma das características da Dispensação da Graça é o fato
de Deus comunicar-se com cada crente individualmente, independentemente de sexo,
raça e idade, por meio de sonhos, visões, profecias e até pelas pequenas coisas
naturais do dia-a-dia (At 2.17-18). Esses privilégios eram restritos aos
profetas ou alguém escolhido por Deus para uma obra específica nos tempos do
Velho Testamento (Nm 12.6).
A notícia a respeito do batismo no Espírito Santo e os
dons milagrosos que se seguiam correu muito rapidamente, e muitas pessoas
acolhiam-na como cumprimento dos seus anseios espirituais. As experiências
seguiam às doutrinas; assim como também a experiência segue a conversão, como
realidade sólida baseada na obra específica realizada por Cristo.
Temos, sim, o dom da profecia, mas apropriado para surgir
num culto de adoração. O dom provem da parte do Espírito Santo. Assim, temos em
Atos 21.9 “quatro filhas donzelas, que profetizavam”. Recebiam o dom de
profecia da parte do Espírito Santo. As igrejas pentecostais legítimas andam na
Bíblia, é o Espírito Santo quem lhes confirma a total veracidade e o poder
espiritual das Escrituras Sagradas. Não sei se outros grupos, mesmo tendo pais
espirituais de 488 anos atrás, estão tão fiéis à Palavra de Deus... A marca
distintiva da Reforma Protestante está presente em nosso meio Sola Scriptura,
Sola Gracia, Solo Cristus e Sola Fides. Nossa crenças e prática são
provenientes das Escrituras Sagradas. Defendemos os mesmos pontos cardeais da
fé cristã das demais igrejas e denominações co-irmãs.
Esequias Soares é
pastor, líder da AD em Jundiaí (SP) e da
Comissão de Apologética da CGADB.
Jornal
Mensageiro da Paz de Dezembro de 2005, Pág. 14.
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