Por José Gonçalves
No dia 31 de outubro de
1517, o monge agostiniano Martinho Lutero (1483-1546) fixou na catedral de
Wittenberg suas famosas noventa e cinco teses. Com esse manifesto, o monge
alemão proclamava corajosamente o retomo da igreja ao cristianismo apostólico.
No século 16, o catolicismo ainda respirava os ares de um cristianismo medieval
fossilizado na sua estrutura e desviado na teologia
Martin N. Dreher
destaca que o culto durante o período medieval se tornou em extremo místico:
“Vendiam-se desde bolinhas da terra com a qual Adão fora feito até cera dos
ouvidos e leite da Virgem Maria, estrume do burro do estábulo de Belém, fios de
cabelo e da barba do Salvador. Mostrava-se, inclusive, o prepúcio circuncidado
de Jesus. Ao todo, existiam nada menos do que 13 exemplares do prepúcio de
Jesus em toda a Europa”.1
Esse misticismo foi
marca inequívoca de que o cristianismo afastara-se da Palavra de Deus. A
salvação se tornara meritória. A luta dos reformadores forno sentido de a
Palavra de Deus voltar a ocupar seu lugar, pois o distanciamento das práticas
bíblicas produziu efeitos colaterais, atingindo a moralidade da igreja, bem com
o sua Teologia. Ulrich Zuínglio (1484-1531) atacou duram ente os ritos e tradições
medievais do catolicismo, bem como a corrupção moral e doutrinária da igreja.
Seu anseio era que a igreja voltasse à simplicidade do Novo Testamento. Paulo Anglada
observa que Zuínglio: “Destruiu os altares, as imagens e pinturas dos santos, e
retirou o órgão da igreja. Para ele tudo 0 que não fosse ensinado n as
Escrituras deveria ser eliminado do culto, visto que tem a tendência de afastar
as pessoas da verdadeira religião. ‘Se você deixar os ninhos das cegonhas onde
estão’, preveniu Zuínglio, ‘elas certamente voltarão para eles’ ”.2
As relíquias dos “
santos” transformaram-se em amuletos e a simples oração foi coisificada nos
rosários. A superstição era a ordem do dia. Acreditava-se, por exemplo, que
ninguém podia ter um derrame (AVC) ou ficar cego durante uma missa e muito
manos envelhecer! Havia imagens cujas barrigas poderiam ser abertas para que se
contemplasse a Trindade que estava dentro delas!
A Reforma luterana,
portanto, como bem lembra Alister McGrath, foi um reavivamento da teologia.3
Na verdade, uma libertação da teologia que havia empobrecido a doutrina da
graça e aprisionado a cristologia. A Reforma trouxe a compreensão de que a
salvação do homem não depende de seus méritos, mas inteiramente da graça de
Deus. A tradição protestante destacaria que o verdadeiro cristianismo seria
avaliado pela sua fidelidade à mensagem da cruz e não pela sua eficiência.
Cristo seria o centro da mensagem. Todavia, com o passar dos anos, o
cristianismo protestante, também denominado de evangélico, se distanciou de
suas origens e como em um processo de osmose assimilou elementos da cultura
secular. Quinhentos anos são passados e o fervor da Reforma deu sinais de
arrefecimento. Não muito depois da Reforma o processo de secularização
produzido pelo advento da modernidade atingiu as igrejas históricas herdeiras
dessa mesma Reforma. O cientificismo cartesiano e não a Bíblia passou a ser o
aferidor da fé protestante. A razão e não mais a revelação se tornou o
parâmetro da fé. Esse reflexo é visto na teologia liberal que varreu a Europa,
chegando posteriormente à América. Essa teologia fria, racionalista e
secularizada produziu igrejas mortas.
A reação a esse
cristianismo apático veio do cristianismo periférico, movido por movimentos de
reavivamento, sendo sintetizado no que viria m ais tarde a ser denominado “
movimento de santidade”. Foi desse movimento periférico, m as de uma
espiritualidade contagiante, que surgiu o pentecostalismo no final do século 19
e início do século 20. O movimento pentecostal energizou a fé evangélica,
tornando-a viva e contagiante. Dez anos após seu advento, o movimento
pentecostal já estava espalhado por quase todo o mundo. Todavia, como observou
o cardeal belga Leon-Joseph Suenens, “O livre de hoje será o institucional de
amanhã” .4 O movimento pentecostal cresceu, mas também inchou! Esse
inchamento produziu anomalias, sendo a principal delas a hoje bem conhecida
teologia da prosperidade.5 Esse desvio da genuína fé pentecostal
também mudaria a metodologia de se fazer teologia e a forma de se enxergar a
igreja. O teólogo Luiz Alexandre Rossi destaca que a eficiência é hoje a forma
que a teologia da prosperidade adotou para se avaliar a igreja.6
Rossi observa que esse sistema de avaliação não é propriamente da igreja, mas
das empresas de “ fast-food”, e cita como exemplo a rede McDonalds. Em sua
análise, vivemos uma verdadeira “McDonaldização” da teologia 8.
Como já foi destacado,
a Reforma luterana foi uma reforma da teologia. As anomalias, portanto, surgem
como consequência das deformações da mensagem da cruz. Não existe cristologia
sem cruz! Dietrich Bonhoeffer observou que a mensagem da cruz não precisa de
penduricalhos.9 A solução, portanto, está na volta às nossas raízes.
Sem Cristo não há vida, não há Igreja, não há salvação.
NOTAS
(1) DREHER, Martin N.,
Bíblia – Suas Leituras e Interpretações na História do Cristianismo. Editora
Sinodal, 2006.
(2) ANGLADA, Paulo.
Introdução a Hermenêutica Reformada. Knox Publicações, 2006.
(3) M cGrath, Alister.
As Origens Intelectuais da Reforma. Cultura Cristã, 2007.
(4) SUENENS, Léo - Joseph.
A Renovação Carismática - um novo pentecostes?, Paulus, Apelação, Portugal,
1999
(5) É um fato que a
Teologia da Prosperidade tem sua gênese no pregador batista William Kenyon
(1867-154.6) e popularizada pelo pentecostal Kenneth E. Hagin (1917-72003).
(6) ROSSI, Luis
Alexandre Solano. Jesus Cristo Vai ao McDonalds, 2011.
(7) GONÇALVES, José. A
Prosperidade à Luz da Bíblia. CPAD, Rio de janeiro, 2012.
(8) BONHOEFFER,
Dietrich. Resposta às nossas perguntas - Reflexões sobre a Bíblia. Edições
Loyola, 2008.
José
Gonçalves é pastor, escritor, articulista, comentarista de Lições Bíblicas da
CPAD e pastor da Assembleia de Deus em Água Branca (PI).
Jornal Mensageiro da Paz, outubro de 2017, p.18: CPAD.
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